Comecei minha análise no século passado com o firme propósito de dar um basta em meus sintomas, mas também com outras aspirações mais ambiciosas. Cheguei lá dizendo que, antes de tudo, buscava o autoconhecimento. Embora não o admitisse, no fundo acreditava que isso me levaria para além da massa alienada. O autoconhecimento me proporcionaria aquele olhar condescendente de quem não apenas tem domínio sobre quem é, como ainda saca tudo o que se passa com os outros ao redor.
O autoconhecimento parecia uma proposta mais empoderada e digna do que a ideia de me deitar no divã e de me reconhecer atônita e sofrendo. Eu era apenas uma adolescente apavorada com minhas descobertas sobre o amor, a sexualidade e a morte, sem saber a melhor maneira de lidar com o “tudo ao mesmo tempo agora” da vida adulta. Admirava pessoas que pareciam não ter dúvidas nunca. Mal podia esperar para me juntar ao rol dos sujeitos certos de si, que não titubeiam, descrevendo a si mesmos com precisão enciclopédica. Demorou para eu descobrir que a certeza absoluta é a marca da paranoia —temos exemplos célebres desse tipo de certeza em alguns candidatos que se oferecem para nos governar.
É claro que ao longo da análise nos conhecemos mais e grandes embaraços são desfeitos a partir do momento que acessamos nossas reais motivações para comportamentos anacrônicos e renitentes. Essa é uma parte importante da história mas, honestamente, não é a mais interessante. Ao empreender uma análise podemos supor que vamos apenas em direção ao autoconhecimento —mantra de dez entre dez ofertas de terapias, coachings e outras formas de tentar controlar o universo com o poder da mente. Mas se dermos um passo à frente, iremos rumo ao autodesconhecimento.
Para a psicanálise, o outro, que nos assusta tanto — a ponto de fazermos muros e leis que nos protejam de sua suposta ameaça — está, antes de tudo, em nós mesmos. Somos nós mesmos a nos assombrar com o nosso autodesconhecimento. Por exemplo: tenho que trabalhar até tarde hoje de qualquer jeito, mesmo desejando tirar uma noite de folga. Mas eis que esqueço o computador no escritório com todo material que permitiria cumprir minha intenção manifesta. Posso me martirizar, voltar para buscar o computador e acabar o trabalho mesmo exausta; posso chorar e espernear. Mas se eu puder reconhecer que esse “outro em mim” deu uma solução para meu desejo de ter uma noite de descanso, ainda que eu volte para finalizar o trabalho, poderei tratar esse deslize como algo genuinamente meu a ser levado em conta. Com a dignidade de um gesto que diz de mim e de meus limites. Claro que os atos podem ser bem embaraçosos, como trocar nomes em momentos inacreditáveis ou amortecer uma depressão com o alcoolismo. Reconhecer nosso autodesconhecimento estrutural e insolúvel é o que há de mais libertador em uma análise. Mas reconhecer não é justificar. É assumir integralmente a responsabilidade por esse ato que emerge do desejo.
O curioso é que, ao dar ao gesto a dignidade de um desejo, que não pôde ser assumido até então, deixamos de ser vítimas das circunstâncias e passamos a ser sujeitos. A ética da psicanálise implica que cada um assuma o que fazer com suas mazelas e alegrias, não cabendo ao analista vestir a camisa da torcida organizada.
Se temos algo a conhecer sobre nós em análise é que seremos sempre desconhecidos para nós mesmos. Daí a possibilidade de se espantar, por vezes, e se encantar, por outras, com o que nunca saberemos de nós, levando uma vida tão empolgante quanto arriscada e sem chance de superioridade.
Fonte: Vera Iaconelli