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  • Marcia Telles

Alguém acredita que a delinquência seja um efeito da pobreza?


No fim de uma coluna de 23 de abril, escrevi: “Alguém acredita que a delinquência seja um efeito da pobreza?”. Era uma pergunta retórica, que supunha a resposta negativa: ninguém mais acredita nisso. Pois bem, alguns leitores pensam diferente e me escreveram.


Adoraria concordar com eles; seria mais sensato e mais fácil acreditar que o crime nasce da necessidade. Com isso, ele se tornaria racional (somos todos bons, só que a alguns faltam coisas necessárias) e poderia ser abolido pela reforma social: num mundo sem necessitados, não haveria mais crimes.

Para defender a ideia de que a necessidade seria a mãe do crime, um de meus correspondentes observou: se não fosse assim, por que, nas prisões, há poucos ricos e tantos pobres? Pois é, se há mais pobres do que ricos nas prisões, não é porque os primeiros se tornaram criminosos por serem pobres: é porque os últimos sempre têm advogados melhores.

Sinto (sem ironia), mas preciso dar esta má notícia aos leitores que me escreveram: com poucas exceções, o crime não é filho da necessidade, é filho do desejo. É uma constatação da qual fugimos, talvez porque o desejo nos pareça sempre um pouco fútil: ele corre atrás de reconhecimento e de objetos que não são propriamente necessários para a sobrevivência.

É por isso que Fulano assalta e mata? É por isso que Sicrano pede propina para encomendar merenda escolar? Sim, é por isso. Dizemos com frequência que um jovem da periferia se torna soldado do tráfico “por falta de oportunidades”. A mesma coisa podemos dizer de um jovem de classe média como João Estrella (“Meu Nome Não É Johnny”, livro de Guilherme Fiuza e filme de Mauro Lima).

Entre os menos ou os mais favorecidos, tanto faz: o desejo é uma força tão poderosa quanto, senão mais poderosa que, a necessidade.

Só às vezes não há comida, mas sempre faltam reconhecimento e “coisas” – o que é suficiente para que o desejo seja tentado por algum atalho.

Nota. Há uma terceira “origem” da criminalidade, além do desejo e da necessidade: o sentimento de exclusão. Se acho que não faço parte da sociedade em que vivo, não tenho por que respeitar suas normas e leis. Isso vale para quem é esquecido na extrema miséria e também para o privilegiado que se considera acima da sociedade na qual vive. Em ambos os casos, a sensação de não pertencer liberta o “excluído” da obrigação de respeitar normas e leis.









Fonte: Contardo Calligaris

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