Não faltam doenças que nos apavorem, e supomos que podemos prevenir, ou pelo menos remediar a maior parte delas. Outras são desconhecidas de nós, leigos, para nossa sorte, senão ninguém dormiria. E há o câncer, espécie de inimigo interno, algo que pode estar acontecendo com qualquer um de nós, a qualquer momento da vida, em qualquer parte do corpo. Doença assustadora pela sua letalidade, mas também por sua característica: de não ser algo “que se pega”, mas que se desenvolve; é fabricada em nosso interior, faz parte de nós. A mesma reprodução celular que nos faz crescer e renovar nosso corpo, também ameaça nossa vida.
Da minha parte, além da angústia que acompanha a mamografia anual, há algo a mais que me preocupa. É uma psicologia selvagem que faz com que muitos pacientes se auto-acusem por terem “feito um câncer”. As estatísticas apontam que uma porção significativa das pessoas diagnosticadas com câncer estaria passando por período de perdas, luto ou depressão, o que é um fato. Por outro lado, é difícil precisar quantas pessoas estariam tristes sobre o planeta para saber se elas desenvolveram um câncer ou não e qual seria a “gota d’água” que transformaria uma depressão numa doença física, tenta-se.
A descoberta de que somos suscetíveis a doenças psicossomáticas, de que nosso inconsciente pode desencadear processos auto-destrutivos e que nosso estado de ânimo influencia no andamento da cura, ganhou uma generalização abusiva. Certo senso comum já qualifica como se todas as doenças fossem causadas unicamente pelo psiquismo do paciente. Isso não ajuda, sobrecarrega com culpa o sofrimento, além de que alimenta os onipotentes, que deixam de tomar os cuidados necessários por sentirem-se felizes ou otimistas.
É sempre bom lembrar que nosso organismo flui, bate e envelhece a revelia da nossa vontade, mesmo a inconsciente. Subestimamos a autonomia e força do corpo com a mesma pretensão com que impomos à nossa pobre máquina que funcione sem manutenção nem cuidados, que nos proporcione prazeres sem cessar. Em geral, ele não nos obedece, faz exigências e impõe seus desígnios.
Além disso, são muitas as coisas que nos deixam deprimidos, e boa parte delas não é óbvia como a morte, o abandono amoroso ou o desemprego. Há muitos graus na tristeza, desde uma depressão grave até formas mais difusas, nas quais a vida vai perdendo as cores sem uma razão aparente. Mesmo bons momentos, como após uma vitória, uma viagem, um casamento, um filho ou neto, podem, paradoxalmente, desencadear um período de depressão. As variações são infinitas, a tristeza tem tantas faces que é difícil quantificar sua culpa nas doenças que nos afligem.
Fonte: ZHora 2007