No livro O Mundo como Vontade e Representação, o filósofo Arthur Schopenhauer propõe uma metáfora interessante sobre as relações humanas. Ele conta que um grupo de porcos-espinhos perambulava num dia frio de inverno. Para não congelar, chegavam mais perto uns dos outros. Mas, no momento em que ficavam suficientemente próximos para se aquecer, começavam a se espetar com seus espinhos. Então se dispersavam, perdiam o benefício do convívio próximo e recomeçavam a tremer. Isso os levava a buscar novamente companhia e o ciclo se repetia na luta para encontrar uma distância confortável entre o emaranhamento e o congelamento.
Adolescentes não são porcos-espinhos, mas experimentam uma condição que os aproxima dos mamíferos descritos por Schopenhauer: a convivência em um grupo. Afinal, ao fazer parte de uma reunião de pessoas que têm algo em comum, o jovem consegue "calor" na forma de aceitação e acolhimento. Ao mesmo tempo, precisa se defender dos "espinhos", posicionamentos que se chocam contra a sua individualidade e podem degenerar em preconceito e agressividade. Não é exagero dizer que a entrada em um grupo é um acontecimento inevitável na passagem da infância para o mundo adulto. Faz parte do processo de elaboração da identidade. Quando chega a puberdade, o adolescente não se contenta mais apenas com a rede protetora da família e busca fora de casa outras referências para se formar como sujeito. É por isso que, nessa hora, os amigos crescem em importância. Por meio deles, o jovem exercita papéis sociais, se identifica com comportamentos e valores e busca segurança para lutar contra a angústia da solidão típica da fase. Na escola, corredores e salas de aula costumam ficar apinhados de adolescentes que se vestem, se penteiam e falam de forma parecida. Sigmund Freud, diz que a pessoa só pertence a um grupo quando entra num processo de identificação com os outros, ou seja, quando constrói laços emocionais com base em objetos reais ou simbólicos compartilhados. Isso quer dizer que toda coletividade tem um código em comum que abarca desde ideias sobre o mundo até regras de comportamento que passam por hábitos e vestuário. Para se afirmar entre seus pares e se sentir aceito e seguro, o jovem incorpora esses traços. Alçados à condição de símbolos de identificação coletiva, tipos de bermuda ou boné, logotipos de movimentos culturais ou políticos, discos de bandas de rock, piercings ou cortes de cabelo se transformam em representação de ideais comuns, marcas de pertencimento. A disseminação dos grupos jovens como uma forma de acolhimento ao fim da infância é um fenômeno relativamente novo. Até meados do século passado, a entrada no mundo adulto costumava ser marcada por ritos de passagem (a exemplo do que ocorre ainda hoje em sociedades tradicionais, como as indígenas). No Brasil dos anos 1950, por exemplo, a entrada na puberdade era assinalada pela substituição da calça curta pela comprida (no caso dos meninos) e dos sapatos de salto baixo pelos de salto alto (para as meninas). "Os ritos ajudavam os jovens a se sentir valorizados, a processar essa mudança de fase e a atribuir significados positivos a ela", argumenta Lidia Aratangy, psicóloga e autora de livros sobre a adolescência. Alguns rituais ainda persistem, como o trote aos que passam no vestibular (a diferença, nesse caso e em vários outros, é que o jovem passa a ser aceito por outros jovens e não mais pelo conjunto da sociedade). Você pode aprender muito sobre o universo adolescente olhando a constituição das rodinhas em sala. Não se trata, óbvio, de tentar falar a linguagem dos jovens, vestir-se como eles ou fazer-se de amigo. O objetivo é observar em torno de quais ideias e valores eles se reúnem, incentivar suas boas práticas e, eventualmente, aproveitar alguns temas próximos de sua realidade para a discussão (desde que, é claro, estejam a serviço da aprendizagem).
As dificuldades de ser único e igual ao mesmo tempo Da mesma maneira, é preciso também atentar para os aspectos problemáticos que surgem com a formação de grupos. Muitas vezes, por medo do isolamento, jovens acabam adotando regras e comportamentos coletivos sem colocá-los em questão. Esse tipo de atitude pode levar ao bullying. "Ao mesmo tempo em que anseiam pela identidade própria, eles percebem que ser igual a todo mundo é a saída mais segura para não se expor e perder a aprovação", afirma Francisco Assumpção, psiquiatra e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Quando existe o risco de os objetos de identificação virarem desculpas para a intolerância com os que pensam diferente, é fundamental questionar, em sala de aula, a postura coletiva. A ideia é ajudar a turma a entender que cada integrante, ativa ou passivamente, legitima as atitudes de todos. Dessa forma, a responsabilidade sobre os atos deve ser discutida e partilhada.
Outro aspecto importante dos grupos diz respeito à consolidação da noção do que significa ser homem ou mulher na sociedade. Ao se afastar dos pais em busca de novas referências masculinas e femininas, os adolescentes procuram seus iguais para entender quais códigos de conduta regem essas relações. Não é por acaso que os grupos geralmente começam com integrantes do mesmo sexo, que partilham informações e encorajam os outros à aproximação sexual com membros da mesma turma ou de outra. Sozinho, o adolescente tende a se sentir inseguro a dar o primeiro passo, já que nessa fase transbordam as encanações com o próprio corpo e a capacidade de provocar desejo no outro.
O adolescente, dentro da segurança que o coletivo oferece, se expõe ao desconhecido que é se colocar à prova no sentido sexual. Não à toa, vemos grupos de meninos e de meninas andando pelo shopping para verem e serem vistos, usando-se mutuamente como intermediários no processo, afirma Evelyn Kuczynski, psiquiatra da infância e adolescência. Se a turma ajuda nessas ocasiões, há horas em que ela também pode causar tensão pelo medo de ser ridicularizado pelos amigos. Dependendo de como os integrantes do grupo se relacionam, eles podem diminuir ou aumentar o grau de frustração que sempre existe nas questões emocionais e sexuais. Nessa relação entre os gêneros, temos o papel fundamental de dissipar preconceitos e levantar questões a respeito do que é ser homem e mulher hoje em dia. Sair dos estereótipos que dizem respeito a cada um e fornecer ferramentas para que os próprios adolescentes elaborem seus conceitos é formá-los para a reflexão e não para a reprodução de posições culturais fixas e restritivas. Agindo assim, eles aprendem também a questionar os posicionamentos do próprio grupo em relação a esses e outros aspectos.
Publicação Nova escola - Edição 231