Precisamos ser mesmo críticos com nós mesmos, sobretudo nos momentos de fragilidade, como no fim de um relacionamento ou numa demissão
Mesmo tomando cuidados, é inevitável passar por tempos de perdas, transformações, depois das quais o jeito que éramos não serve, não dá conta. O simples ciclo da vida – quando entramos numa fase na qual nos tornamos estrangeiros ao que éramos – já providencia essas mudanças, sem falar em mortes, doenças, separações, demissões, falências.
Nesses momentos de instabilidade, parecemos caracóis sem casco ou lagosta sem carapaça. Essa metáfora chamada de “complexo de lagosta”, é da psicanalista francesa Françoise Dolto, que a associou ao período da adolescência. Quando a capa protetora desse animal marinho torna-se pequena, ele precisa descarta-la e passar um tempo sem proteção, até que o novo exoesqueleto, agora maior, endureça.
Ao longo da vida, existem muitos desses períodos e troca de carapaça, e em todos temos o mesmo comportamento: muito medo de sucumbir. É assim, por exemplo, quando a puberdade acaba com a criança que sabíamos ser, quando nos formamos, quando ficamos desempregados, quando realizamos ou desistimos de um sonho, quando descobrimos que um amor acabou definitivamente, quando temos filhos e quando eles crescem e vão embora, quando nossos pais envelhecem, quando morre algum contemporâneo ou nossos mais velhos começam a partir. A vida nunca cessa de nos pegar indefesos e com as calças na mão.
Para as jovens lagostas que nunca deixamos de ser, o único que não ocorre é que talvez não existam predadores interessados em nossa carne – afinal, sentir-se perseguido é um jeito de achar-se importante. Mas o passado ensina. Lembra, quando você tinha 10, 11, 12 anos, do sentimento de catástrofe iminente? Bastava usar uma roupa ridícula sem saber, faltar a uma festinha essencial, dizer a cosa errada, ser visto com os pais, ser notado, não ser notado... O “meu mundo acabou” de um jovenzinho é exemplar do jeito como nos sentimos quando perdemos as certezas e defesas que nos serviam. Quando adultos já saímos de várias, estamos vivos e um pouquinho mais espertos, mas o susto está sempre rondando.
Nada como lembrar os sofrimentos da puberdade para aprender a redimensionar nossa veia dramática e a tendência à autocomiseração. Assim podemos compreender que nosso maior predador é a autocrítica exacerbada, a onipotência de crer que estão sempre de olho em nós. Mesmo quando andamos por aí mais frágeis e sem carapaça, para nossa sorte, a maior parte dos grandes peixes nem vai notar. São na verdade, nossos próprios olhos que ameaçam nos devorar.
Diana Corso