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Marcia Telles

Rodeio de Ego

“Não se deixe enganar por essa letrinha com corpinho 1, em

itálico, mostrando meu nome bem pequenininho. É disfarce.

No fundo, meu ego megalomaníaco gostaria que o nome

estivesse em letras garrafais, brilhantes, luminosas, em

Times Square, Nova York, como aliás, fazem alguns

apresentadores de tv nas aberturas de seus próprios

programas, em geral, com seus nomes também no título.

Se não o faço é mais por medo que por humildade, mais

por escrúpulo do que por ética. Eu tenho um ego do

tamanho de um bonde, descendo uma ladeira em

São Francisco, sem freio e cheio de passageiros.

Acredite, é mais fácil montar um touro bravo num

rodeio durante oito segundos do que segurar meu

ego selvagem no momento em que alguém abre

a porteira desavisadamente.

A porteira, aliás, acabou de ser aberta. Estou aqui,

me segurando, me roendo, sangrando, navegando

pela web pra me distrair e não liberar o demônio da

Tazmania por uma bobagem.

O pior é que a alegria da platéia é ver o circo pegar

fogo e o palhaço se f..der. A simples menção de que

estou em ponto de bala para deixar meu ego explodir

faz com que a galera grite ‘pula! pula!’, ‘solta, solta’

e ‘conta!conta!”.

Sim, porque, assim como a indústria alimentícia e o

marketing não colaboram pra que a gente emagreça,

o povo não ajuda ninguém a ser generoso e humilde.

Queremos sangue. Gostamos de sangue. A cor, o cheiro,

o salgado do sangue nos atrai. Por isso todo mundo

diminui a velocidade pra ver um acidente causando

outros acidentes e muito congestionamento.

O ser humano é carnívoro. Competimos por espaço

há milênios. E agora, competimos também na web.

Competimos, é plural de majestade. Eu compito.

Mesmo que não exista a primeira pessoa do

singular do verbo competir. Dane-se. Eu sei

o que meu ego indomável quer:

re-co-nhe-ci-men-to.

O ego quer ser admirado Quer adjetivos elogiosos e

exclamações de grata surpresa. Quer muitos

clap clap clap, quer ohhhhhhhhh! cheios

de agás, quer beijinhos, cutchie cutchie,

e muito bem.

Aperto na bochecha nenê não quer, nenê

não gosta.

Ego é bebê. É criança, fedelho, pentelho.

Ego é chato, voraz, desagradável.

Inadequado. Mas está lá. Sempre pronto

para clamar por justiça.

Mania de ego inflado é se sentir injustiçado.

Passatempo de ego grande é esmagar

em nome da lei. É clamar pelo correto

quando o razoável resolveria.

Ego não samba, não tem jogo de cintura.

Ego não dorme, morre de insônia.

Ego não goza, finge prazer com gemidinhos.

Quem tem ego tem problema, ema ema ema.

Por isso peço ajuda, encarecidamente, a

todos os que convivem com este monstro

na coleira que arrasto pela mão, meu ego

alemão, com mossarela italiana, convertido

ao judaísmo, trancafiado num corpo pícnico,

agarrado a um cérebro atento, medroso e

inseguro como uma criança que segura um ursinho.

Minha cabeça, é tudo o que meu ego tem pra brincar.

E por isso, de vez em quando, meu ego pega

meu cérebro e chuta como bola no quintal do

coração e marca um gol de mão,

que deveria ser anulado.

Meu ego e meu cérebro, aliás, vivem em constante

disputa e quem perde a partida, sou eu.

Meu cérebro sobe na balança, o ego mente o peso.

Meu cérebro escreve um post, o ego mede as visitas.

Meu cérebro abre a porta, o ego passa primeiro.

No carro, o cérebro dá a partida, o ego acelera.

No vermelho, o cérebro freia, o ego xinga.

O cérebro quer se encontrar, o ego, se acha.

O cérebro quer um amor, o ego, se masturba.

O cérebro busca a performance, o ego quer a medalha.

O cérebro quer terminar este texto, o ego sopra

palavras.

Não é por mal, é só doença. Doença da

ilusão, de todo ser humano, de querer ser

eternamente amado.

Ser continuamente reconhecido.

Infinitamente aplaudido. Em pé.

E, claro, com transmissão simultânea

para todo o planeta.

Ao vivo. “

Rosana Hermann

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