“Não se deixe enganar por essa letrinha com corpinho 1, em
itálico, mostrando meu nome bem pequenininho. É disfarce.
No fundo, meu ego megalomaníaco gostaria que o nome
estivesse em letras garrafais, brilhantes, luminosas, em
Times Square, Nova York, como aliás, fazem alguns
apresentadores de tv nas aberturas de seus próprios
programas, em geral, com seus nomes também no título.
Se não o faço é mais por medo que por humildade, mais
por escrúpulo do que por ética. Eu tenho um ego do
tamanho de um bonde, descendo uma ladeira em
São Francisco, sem freio e cheio de passageiros.
Acredite, é mais fácil montar um touro bravo num
rodeio durante oito segundos do que segurar meu
ego selvagem no momento em que alguém abre
a porteira desavisadamente.
A porteira, aliás, acabou de ser aberta. Estou aqui,
me segurando, me roendo, sangrando, navegando
pela web pra me distrair e não liberar o demônio da
Tazmania por uma bobagem.
O pior é que a alegria da platéia é ver o circo pegar
fogo e o palhaço se f..der. A simples menção de que
estou em ponto de bala para deixar meu ego explodir
faz com que a galera grite ‘pula! pula!’, ‘solta, solta’
e ‘conta!conta!”.
Sim, porque, assim como a indústria alimentícia e o
marketing não colaboram pra que a gente emagreça,
o povo não ajuda ninguém a ser generoso e humilde.
Queremos sangue. Gostamos de sangue. A cor, o cheiro,
o salgado do sangue nos atrai. Por isso todo mundo
diminui a velocidade pra ver um acidente causando
outros acidentes e muito congestionamento.
O ser humano é carnívoro. Competimos por espaço
há milênios. E agora, competimos também na web.
Competimos, é plural de majestade. Eu compito.
Mesmo que não exista a primeira pessoa do
singular do verbo competir. Dane-se. Eu sei
o que meu ego indomável quer:
re-co-nhe-ci-men-to.
O ego quer ser admirado Quer adjetivos elogiosos e
exclamações de grata surpresa. Quer muitos
clap clap clap, quer ohhhhhhhhh! cheios
de agás, quer beijinhos, cutchie cutchie,
e muito bem.
Aperto na bochecha nenê não quer, nenê
não gosta.
Ego é bebê. É criança, fedelho, pentelho.
Ego é chato, voraz, desagradável.
Inadequado. Mas está lá. Sempre pronto
para clamar por justiça.
Mania de ego inflado é se sentir injustiçado.
Passatempo de ego grande é esmagar
em nome da lei. É clamar pelo correto
quando o razoável resolveria.
Ego não samba, não tem jogo de cintura.
Ego não dorme, morre de insônia.
Ego não goza, finge prazer com gemidinhos.
Quem tem ego tem problema, ema ema ema.
Por isso peço ajuda, encarecidamente, a
todos os que convivem com este monstro
na coleira que arrasto pela mão, meu ego
alemão, com mossarela italiana, convertido
ao judaísmo, trancafiado num corpo pícnico,
agarrado a um cérebro atento, medroso e
inseguro como uma criança que segura um ursinho.
Minha cabeça, é tudo o que meu ego tem pra brincar.
E por isso, de vez em quando, meu ego pega
meu cérebro e chuta como bola no quintal do
coração e marca um gol de mão,
que deveria ser anulado.
Meu ego e meu cérebro, aliás, vivem em constante
disputa e quem perde a partida, sou eu.
Meu cérebro sobe na balança, o ego mente o peso.
Meu cérebro escreve um post, o ego mede as visitas.
Meu cérebro abre a porta, o ego passa primeiro.
No carro, o cérebro dá a partida, o ego acelera.
No vermelho, o cérebro freia, o ego xinga.
O cérebro quer se encontrar, o ego, se acha.
O cérebro quer um amor, o ego, se masturba.
O cérebro busca a performance, o ego quer a medalha.
O cérebro quer terminar este texto, o ego sopra
palavras.
Não é por mal, é só doença. Doença da
ilusão, de todo ser humano, de querer ser
eternamente amado.
Ser continuamente reconhecido.
Infinitamente aplaudido. Em pé.
E, claro, com transmissão simultânea
para todo o planeta.
Ao vivo. “
Rosana Hermann