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Marcia Telles

Tantas coisas a fazer antes de morrer

Uma reflexão sobre o que cada um de nós deseja de fato realizar ao longo de nossa trajetória.

Um amigo me enviou um lindo vídeo editado com 1001 filmes que não posso morrer sem ver. Fiquei aliviada, pois a percentagem das cenas que reconheci, que pertenciam aos que já havia visto, era menor que a metade. Feitos os cálculos, devo ter mais do que cinco centenas de filmes que devo ver antes de poder morrer, o que me pareceu uma espécie de garantia de que terei certo prazo para fazê-lo.

Existem também listas com centenas de lugares aos quais devo ir, livros que tenho que ler, músicas que seria imprescindível escutar. Estarei muito ocupada tomando essas providências, espero, pelas próximas décadas. São tarefas bem atraentes, pelo qual chego também à conclusão que terei vida longa e muito divertida. Isso é melhor do que notícia de cartomante!


Adoro ir ao cinema, viajar, ler. Também gosto que me recomendem oportunidades de fazê-lo, pois hoje as possibilidades são tantas que ficamos perdidos. É angustiante pensar que só poderemos ler um numero restrito de livros, seria melhor então não errar. Só que é inevitável certa imprevisibilidade, certa errância em relação aos encontros com as coisas que vão nos sensibilizar. É como no amor, com o qual tantas vezes esbarramos e nos deixamos encantar.


Lista é sempre da ordem da obrigação, do tipo que marcamos itens realizados. Vendo do lado positivo, quem faz uma lista está planejando-se, enfrenta o momento seguinte com razão e eficiência. Por isso gosto de fazê-las, embora em geral me esqueça de lê-las. Outro prazer associado a elas é o de dever cumprido: ver aquela página cheia de “okeis” ou de itens riscados é muito compensador.


Por outro lado, as listas deixam a vida com cara de gincana. Essa parte eu passo. Apesar de serem compostas de deliciosas propostas, essas prescrições culturais envolvem um tipo de fruição que me parece angustiado, desesperado. Algo como aqueles programas de agência de viagem que ajudam a “fazer Europa em quinze dias”, onde se visita tudo e, por isso, nada. Há muito para ver e sentir sem distanciar-se do lugar onde se nasceu e há tantos que vão longe e nada veem. Talvez haja perdão para perder Bergman ou Dante se tivermos oportunidade de saborear outras obras de arte.


Se tivesse que elaborar uma lista, minha prioridade são as marcas deixadas nos outros. Prefiro imaginar que minha presença alterou em alguma dimensão àqueles com quem tive o privilégio de conviver. Mais do que obras ou lugares, gostaria de não perder a oportunidade de perceber minhas gentes, temo passar por elas apressada, distraída. Centenas de bons encontros são o que acima de tudo quero fazer antes de morrer.



Diana Corso - Psicanalista

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