Encontramos a pessoa ideal e entramos no castelo de nossos sonhos. Mas, quem diria, nem tudo é róseo. Questões menores perturbam o cotidiano. E não podemos parar de nos atualizar, correr, às vezes competir para nos manter à tona na vida profissional e no mundo que exige muito dinheiro. Para manter a união amorosa, é preciso ajustar o passo.
Nos contos de fadas, que continuam a povoar a imaginação das crianças, encontramos uma trama semelhante. Depois de várias peripécias, o príncipe e a princesa se casam e são felizes para sempre no palácio encantado. Às vezes as narrativas falam de filhos, também sempre muito felizes. De certa maneira, esse núcleo de fantasia permeia as nossas esperanças com relação ao futuro. Está presente em todos os sonhos - de casamento, profissionais e outros. Imaginamo-nos capazes de manter no cotidiano os estados de ânimo e de felicidade que nos inundam no momento da vitória. À época em que as mudanças eram lentas e poucas, até se poderia supor que, depois do casamento, tocaríamos a vida como a tínhamos fantasiado. Mas vivemos outros tempos. A velocidade com que tudo se transforma e complica impede a realização do modelo foram felizes... Somos, hoje, uns mais e outros menos, seres movidos a desejo. Verdadeiras máquinas desejantes. Para movê-las estão aí organização social, propaganda, discursos de auto-ajuda. A mídia vocifera há décadas que inexiste felicidade sem constante atualização: temos de aprender mais, conhecer o desconhecido, destrinchar o complicado, procurar o inaudito. Enquanto tudo muda, porém, o conto de fadas fica imutável. Temos, portanto, que mudá-lo. Digamos que eles se casaram, se formaram, passaram nos concursos, mas, máquinas desejantes, têm de continuar a seduzir-se e atualizar-se como se ainda fossem estudantes, namorados, candidatos a cargos. As duas realidades, a do conto de fadas e a das máquinas desejantes, conflitam. Sonhamos com a tranqüilidade e nos vangloriamos de mudar e vencer ininterruptamente. Fadas suaves e mundo competitivo: difícil conciliar o sonho róseo da felicidade prometida com a luta incessante exigida pelo mundo atual. Em busca de permanente sedução, a mulher recorre a produtos que garantem aparência jovem, indispensável à auto-estima e conseqüente segurança. O homem, para manter-se sedutor, não pode perder a aura de príncipe provedor. Só que o castelo dos ancestrais exige reformas, novos gadgets eletrônicos. Não há intervalo. Iludimo-nos que um dia começará a felicidade para sempre. Depois que as crianças estiverem na escola, assim que a gente mudar para uma casa maior, na aposentadoria... e o dia de ser feliz como príncipes não chega. Fomos educados e formados para obter estabilidade. Aquele finzinho do conto de fadas. Mas o casal real chega ao castelo e inicia um dia-a-dia que o conto de fadas não conta. Nenhum fala de orçamento, obsolescência de máquinas, manutenção, rugas, educação de filhos, dores, doenças. Surpreendemo-nos: os problemas e as dúvidas continuam após obtermos o sonhado. Ninguém nos preparou para nos vermos como máquinas desejantes, incapazes de parar e com grande dificuldade de usufruir. Quando o casal se quer bem, consegue marchar junto com o mesmo ritmo. Diante da dificuldade de um deles, o outro, por amor, diminui a marcha e o acompanha. Se capazes de fazer esse ajuste, poderão ser quase príncipes - juntos para sempre. As dificuldades estão em harmonizar a intensidade, o ritmo do funcionamento das duas máquinas de desejo. Voltar a ser só príncipe é impossível, temos de ter consciência das exigências que nós mesmos aceitamos. Queremos, sim, nos atualizar e continuar a transformação que amplia nossos horizontes. Os dois querem. Ninguém pretende estancar porque casou, se formou, tem bom emprego. O amor entre marido e mulher deve ser voltado para a harmonia do desejo de transformação, juntos. Pelo amor e com amor substituímos os sonhos de infância para ser "modernos", em movimento. É assim que nos fazemos a um só tempo príncipes e máquinas desejantes. Anna Veronica Mautner