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  • Marcia Telles

A sua casa


Em minhas leituras por aí encontrei um texto muito interessante sobre nossas casas.

Para que serve a sua casa?

Para pensarmos no que seria uma casa com alma é fundamental, antes de tudo, tentarmos entender o significado da palavra “Alma”. “Ânima” é o termo do latim que dá origem à palavra portuguesa “alma”, e refere-se ao princípio que dá movimento ao que é vivo. Logo, “Alma” é aquilo que é animado, ou o que confere movimento, que faz mover.


Uma casa com alma se caracteriza pelo fato de que nela os moradores sentem que podem se mover livremente. Não falo apenas do movimento físico, mas também da fluidez de emoções e pensamentos. Uma casa com alma, portanto, é o espaço no qual os moradores exercem sem restrições os movimentos que lhes são confortáveis, no qual se sentem confortáveis para expressar suas características mais íntimas e particulares. A casa com alma é feita da mesma substância da qual são feitos seus habitantes, ela não somente reflete a personalidade dos moradores, mas nutre o universo mental deles. A casa com alma abriga e oportuniza momentos que fortalecem a identidade de quem nela vive. Como uma caixa de som, ela reverbera as ideias, os sentimentos e as ações dos moradores. Como um espelho, ela reproduz os movimentos dos habitantes. Como um jardim, a casa com alma oferece um solo fértil para germinar e florescer o que faz seus habitantes felizes. Como um diário, ela registra as alternâncias vividas pelos moradores em todas as áreas da vida… Ela se ilumina, se abre ou se fecha no ritmo das vivências dos habitantes. A casa com alma é uma casa viva.


Assim, a alma de uma casa é cultivada pelo uso que os moradores fazem dos ambientes nos quais habitam. Se ao usarem a casa os moradores fazem o que gostam, da forma que desejam e no tempo que lhes é necessário, a casa estará em movimento, será animada, terá alma. Se o uso cotidiano da casa, contudo, é destituído do envolvimento afetivo e cognitivo de seus moradores o espaço doméstico não terá vida, será um corpo sem alma.


Atualmente, muitas casas tornaram-se meros dormitórios, espaços nos quais as pessoas apenas dormem e fazem sua higiene pessoal. Para os habitantes dessas casas, o lazer, a alegria, a diversão, o prazer, a busca de conhecimento, as relações pessoais, os sonhos, o relaxamento, tudo é vivido fora da casa. Até mesmo a tristeza, a dor, o sofrimento, a solidão, são expressos em outros espaços que não o doméstico. Para essas pessoas, a vivência de tudo o que nos faz humanos, emoções, pensamentos e sentimentos, sejam positivos ou negativos, é priorizada fora da casa em que se habita. Há pessoas que quando estão alegres saem de casa para encontrar os amigos e celebrar, e quando estão tristes vão para casa, tomam um sonífero e dormem. Há pessoas que quando adoecem levemente, uma febre passageira ou um mal estar digestivo, buscam a casa de outros, seja a da mãe ou a de um amigo, porque na própria não se sentem acolhidos. Há aqueles que passam dias, semanas, sem ir a um determinado cômodo, sem sentar-se numa cadeira ou sofá, sem ir à varanda, sem fazer uma refeição sequer na casa que habitam. Há os que nunca compartilham o ambiente doméstico com outros de quem apreciam a companhia, que nunca param em casa para ler um livro, ouvir música, fazer uma refeição ou simplesmente olhar o tempo passar. Há casas com crianças nas quais não se vê um único brinquedo ou desenho alterando displicentemente a ordem do mundo adulto, outras em que habita um cão ou gato e na qual nunca se ouve latido ou miado. Nessas casas imóveis quase nunca é possível ouvir-se o barulho agitado das ações vivazes das crianças ou dos bichos. Há casas que nunca se abrem para o mundo, que em nome da limpeza nunca escancaram as janelas, impedindo que o vento, os barulhos da rua, a luz solar ou a da lua lhe dê novas cores e sonoridades. Há casas em que o receio dos custos, ou a sovinice, impede seus moradores de acenderem as luzes devidas para tornar o ambiente visível e plenamente desfrutável, ou o ar condicionado para torná-lo agradável. Há casas feitas para as visitas, nas quais a mobília, o design e cada detalhe funcionam como uma vitrine onde o morador exibe sua prosperidade, mas nas quais os habitantes não sabem se mover sem poses ensaiadas ou uma persistente sensação de deslocamento e inadequação.

Todas essas casas são hospedarias, mas não lares. As casas que apenas hospedam seus moradores são ambientes sem alma e, mesmo que não percebam, ao deixar de utilizá-las como lares seus moradores perdem uma grande chance de fortalecer a própria identidade, de repor as energias gastas com as obrigações sociais diárias e de delimitar seu território físico e imaginário no mundo.


Uma casa sem alma, enfim, é aquela na qual os moradores não se sentem consistentes com a própria natureza. Para que a casa tenha alma, seus habitantes precisam poder e querer mover-se por ela em acordo com o que sentem e pensam. A vida de uma casa, sua alma, portanto, é criada e cultivada pelas ações daqueles que a habitam.



Casa e Jardim (Angelita) 2011


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