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Marcia telles

O fim do amor

De repente, ficar sem um par não é sinônimo de incurável solidão e insuportável abandono. Nem precisa transformar-se em ávida e imediata busca por novo amor. “Maiores abandonados” fazem isso por causa de sentimento subjetivo de orfandade e desespero. A solidão, porém, pode se converter em rica fonte de crescimento, experiência e renovação. Angústias intensas, porém, prejudicam o bom desfrute do estar só. Muitos homens e mulheres de diferentes idades ficaram sozinhos, após terminar relações que não andavam bem. Mas este não é apenas um momento de tristeza, é também um tempo de cultivo, plantio e esperança. Pois o sentimento de solidão não é causado porque não há alguém do lado, mas por se estar mal acompanhado de si próprio. De fato, a única pessoa com quem não podemos deixar de ter uma boa convivência somos nós mesmos! E, quando não se consegue conviver bem consigo, não há santo amor que cure isso. Por exemplo, quando uma relação realmente chega ao fim, é natural que a pessoa fique confusa, até se flagre sentindo saudade do antigo par, menos por amor e mais por carência e dificuldade de ficar sozinha. Outras assombrações rondam a alma, como o medo de nunca mais conseguir alguém. Mas, se houver paciência, verá que isso é causado por ilusória extensão do sentimento de perda e solidão atual. Separar-se de alguém — mesmo dos que não desejamos mais — provoca difícil e lento sentimento de luto. É necessário um tempo de espera — tempo este que, sabendo usá-lo, pode ser salutar e promissor. Tempo de aprender com os equívocos, de refletir sobre o que deu errado, de autoconhecimento, momento sereno e triste de despedida interna do “ex”, ou da “ex”, o adeus silencioso e subjetivo que, com sorte, será constituído mais de gratidão do que de mágoa.

Melhor assim do que continuar algo que não tinha mais sentido, com quem não se amava mais, ou por quem não se era mais amado, ou amada. É melhor ficar um período em “férias” do amor do que logo partir para outras relações apenas porque não se está mais acostumado a ficar só. A vida, afinal, não é uma performance de sucesso o tempo todo. Sofremos revezes e essa é a hora de enfrentá-los com a cabeça no lugar de quem se sabe imperfeito, finito e mortal. Não importa se por acaso a ex-cara-metade, num rompante de fraqueza, artimanha ou vingança, rapidamente passou a desfilar na companhia de outro, ou de outra, numa espécie de jogo arrogante e exibicionista para deleite da platéia. Quem sai de um par e consegue ficar sozinho por um tempo, por ainda não ter ninguém significativo, expressa integridade, caráter e firmeza.

É importante nos protegermos do espírito descartável da cultura atual, da obrigação de ser “feliz”, das ilusões mágicas transmitidas pela mídia. Mas há uma diferença entre a solidão criativa e o isolamento melancólico; o luto sadio e o patológico. Ao se ficar só, a hora é de voltar-se para si, para os parentes e amigos, para os próprios interesses e hobbies, não raro vítimas de certo descuido em prol da vida a dois. Quando uma relação termina, ou se outra demora a acontecer, tem-se a chance de um retorno às próprias fontes, um renovado contato com a liberdade e também — por que não? — com a condição solitária da espécie humana. Não no sentido de uma sombria e interminável viagem pelos labirintos sem saída do ser; ou pelas depressões infindáveis e outras experiências igualmente pouco saudáveis. Isso só desvirtua o instante deste pit stop para reabastecimento existencial e retorno posterior às pistas e à corrida da vida. Novos amores estarão à espreita. Caso contrário, o luto pela perda de uma recente relação ou o lamento por uma solidão estão sendo transfigurados por uma parte pouco sadia da personalidade que precisa não tanto de um par, mas, antes, de um psicanalista.



PAULO STERNICK

Psicanalista

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