Não, não adivinhamos pensamentos.
Também não lemos cartas e tarôs, menos ainda a mão.
Não analisamos as pessoas o tempo todo.
Não apertamos os parafusos da cabeça de ninguém.
Não consertamos “crianças problemáticas”.
Não?
Não.
Desmistificadas algumas das crendices populares a respeito do psicólogo, temos que nos deparar muitas vezes com falsas expectativas a respeito de nossa profissão.
Não temos uma resposta certa pra tudo, como se a vida pudesse ser respondida a partir de um gabarito de múltipla escolha.
Também não sabemos, só de olhar para uma pessoa, quais são as respostas para seus problemas, e mesmo depois de ouvirmos a pessoa falar e falar, ainda continuamos sem saber, porque isso depende do lugar para onde aponta seu desejo.
Tudo o que podemos fazer, digo como psicóloga clínica, afinal há muitos outros psicólogos em outras áreas, é oferecer nossa escuta para um sujeito que chega como um barco à deriva, e temos que oferecer nosso desejo de ouvi-lo (lembrando que essa escuta é afinada ao longo dos anos de atuação), para que o rumo seja novamente encontrado. Ou talvez o melhor que possa acontecer seja sair do rumo costumeiro, por que não?
Para onde devo ir então?
Vejam, eu disse que o rumo deve ser encontrado, mas não por nós psicólogos e sim pelo próprio sujeito, afinal quantas vezes já foi tomado pela mão por tantas pessoas e levado ao sabor do vento? Ao sabor do desejo do outro?
Mesmo os psicólogos que trabalham em outras áreas que não a clínica, como os da educação, do trabalho, da saúde pública, haverão de basear seu trabalho no respeito ao outro. É uma questão ética. Tudo depende do lugar em que colocamos um ser humano: se no lugar de sujeito ou objeto. Se olharmos para alguém como objeto, podemos fazer com ele o que quisermos: dar conselhos dizendo o que é melhor para a sua vida, colocar dentro de uma embalagem plástica e rotular com as inúmeras possibilidades de transtornos disso e daquilo (nomes não faltam), subjulgamos mais ainda o nosso objeto em suas relações com o trabalho. Isso e muito mais se imaginarmos as mil coisas que se pode fazer com um objeto.
Se o vemos como sujeito, antes de tudo, perguntaremos a ele “o que você quer?”, mesmo que seja uma criança. Ainda que não tenha esta resposta, já que pode ter passado anos e anos objeti-ficado, então é preciso construí-la.
A um sujeito não se pode embalar e rotular, ele tem pernas e pés que caminham sozinhos. Trata-se, portanto, de uma construção. Um sujeito precisa, mesmo que seja difícil, olhar para onde seus pés o estão levando. Faz parte da ética do psicólogo sair do lugar daquele que sabe, para o lugar de fazer querer saber ao outro. É simples. É só não esquecer nunca: objeto → sujeito.
O que deve fazer então um psicólogo clínico? objeto → sujeito. Perguntamos ao paciente: O que você quer? Que história você construiu? Que parte te cabe em seu sintoma? Ao invés de dar conselhos e respostas, que jamais terão serventia nenhuma para ninguém.
E o psicólogo escolar? objeto → sujeito. Perguntamos que lugar ocupa uma criança na família, na escola, na sala dos professores? Nos inúmeros diagnósticos? Colocamos a criança para falar e oferecemos nossa escuta, não clínica, mas sobre o contexto em que aquela determinada criança está.
E no campo das organizações? O que deve fazer um psicólogo? Para além de todos os meus preconceitos pessoais com essa área de atuação, digo que tudo depende, mais uma vez da equação: objeto → sujeito. Se um psicólogo pensa que o trabalhador é parte de uma massa de mão de obra cuja função é a de gerar lucro, e não há nada que possa fazer por ele, sinto em dizer que faz das pessoas objeto. Mas se sabe que mesmo com todas as dificuldades desse trabalho é possível ao menos saber o nome de cada pessoa (sujeito), trabalhar pelo bem-estar delas, apesar de, já é um bom começo.
Há muitas outras possibilidades de atuação, mas o princípio é o mesmo: objeto → sujeito. Este é, pra mim, o que resume nosso código de ética profissional. Sempre que surge uma dúvida em relação ao que fazer numa determinada situação, eu tento pensar se a atitude que tomarei colocará a pessoa no lugar de objeto ou sujeito.
Estou desde ontem enroscada com esse texto, achando ruim e sem saber como terminá-lo. Mas acabo de pensar numa saída!
Ser psicólogo não é andar por aí de saco cheio de ouvir problemas. Muito pelo contrário! Aquilo que parece problema é a chave da história daquele sujeito. Nós psicólogos adoramos passar o dia ouvindo novas histórias, cheias de aventuras, e mesmo aquelas monocórdias, que se repetem e repetem. De tanto contar, um dia o enredo muda. A fala de um paciente é algo como música, e a cada um que chega, afinamos nossos ouvidos para que saibamos ouvir.
Ser psicólogo é saber ouvir bem uma história, ou uma música, independentemente do gênero que ela comporte (drama, comédia, tragédia), pois cada um tem suas próprias preferências!
I. Machado (2013).
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