Um brinde aos viúvos que não estão dispostos a separar-se tão cedo dos seus fantasmas. Um brinde aos divorciados que conseguem lembrar das ilusões e empreitadas que faliram, mas existiram. Um brinde aos “princesas-adormecidas”, que esperam fazendo-se de mortos, mas acreditam tanto no grande amor que podem fazer isso por cem anos. Também aos amigos apaixonados, que disfarçam seu amor em amizade para não perder de vista seu objeto de adoração. Aos casais que só transam depois de brigar. Aos que viraram sócios, esquecendo-se da intimidade. Um brinde aos que chamam um ao outro de “papai” e “mamãe”. Aos homoafetivos que ainda não se permitiram a entrega. Aos que somente se apaixonam pelo amor que suscitam, aos que se surpreendem quando são amados.
Um brinde aos casais cuja maior intimidade é dormir de conchinha. Aos capazes de orgasmos maiúsculos e diálogos minúsculos. Aos que se encontraram depois de uma comédia de erros. Aos amores espalhados no mapa. Aos que desistem de viver depois de ver morrer sua cara metade, aos que se reinventam a cada novo amor. Um brinde aos casais que só sobrevivem graças às distâncias, aos que se desestruturam quando ficam longe um do outro. Aos que são rivais entre si, aos que amam no outro seu fracasso e aos que dedicam suas fraquezas ao ser amado.
Um brinde aos que quanto mais conhecem os humanos mais amam seus animais. Aos casais que falam línguas diferentes e, nem eles sabem como, se entendem. Aos que gastam o teclado na busca de um grande amor. Aos colecionadores incansáveis, que querem experimentar todas as formas de amar. Às duplas que engordam juntos, aos que malham em uníssono. Àqueles habilitados somente para o ócio partilhado, aos que são parceiros para trabalhar e procriar, mas que se odeiam nas horas vagas. Um brinde aos que descobrem ser amáveis somente nas curvas finais da vida. Aos que sentem o amor declinar com a juventude.
Um brinde aos que não juntam amor e sexo na mesma pessoa e aos que não conseguem escolher entre duas pessoas. Aos que se fazem adotar pelo outro, como cães abandonados. Aos bons encontros que demoraram vários casamentos para acontecer. Aos que constataram ter jogado fora irremediavelmente o grande amor de sua vida. Aos colegas de jardim de infância que se reencontraram nas redes sociais. Aos que se uniram graças às artimanhas dos amigos ou de alguma comunidade que os apresentou. Aos casais improváveis, que ninguém entende em que ponto se ligam. Aos que nunca se apaixonaram mas souberam amar um ao outro. Um brinde a todas as formas do amor.
Fonte: zero hora - 2014