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Marcia Telles

Máscaras na Dependência Química


Admitir ter um problema é algo muito difícil e torna-se ainda mais difícil quando esbarra em julgamentos e preconceitos presentes na sociedade. Admitir problemas com álcool ou outras drogas é uma atitude que exige bastante coragem e que envolve o risco de ser tomado como fraco ou possuidor de um caráter questionável. Perceber que já não é capaz de fazer escolhas frente a algumas substâncias é difícil, e reconhecer, ainda que intimamente, que tem problemas devido ao uso de álcool e outras drogas é tão complexo que muitas vezes preferimos não ver e acabamos mascarando nossos problemas. As máscaras são as mais diversas possíveis.



A máscara do poder


“A hora que eu quiser eu paro”. Admitir não ter controle sobre o uso de alguma substância é um golpe duro no orgulho próprio. Pode-se acreditar ser autossuficiente, senhor dos próprios desejos e comportamentos, mas muitas vezes estas pessoas encontram-se mal informadas sobre si mesmo. Não percebem estar usando uma substância diariamente ou desregradamente, comprometendo sua vida em vários níveis, contradizendo seus valores mais íntimos.

Quando se está com o organismo debilitado para mais álcool ou droga, ou quando fizeram algo tão sério para si ou para terceiros que se veem em uma situação onde estão cercados por outros, é possível que se realize uma parada, motivada por estes fatores. Entretanto, engana-se ao acreditar que devido a isso existe um controle sobre o uso.

Pensar a abstinência em períodos curtos é algo que ajuda a manter a motivação, porém, acreditar que fazer uma parada breve é um sinal de que se possui controle sobre o consumo é minimizar o envolvimento com a substância, arriscando-se assim a criar um padrão de recaídas e de permissividade.



A máscara do palhaço


Muitos dos erros e problemas que se enfrenta devido ao uso de drogas podem ser contados depois de um longo tempo como histórias engraçadas, ou como coisas que ocorriam quando ainda não havia aprendido a usar. Ao adotar uma postura jocosa assume-se o risco de minimizar o problema e não ver que se caminha novamente na direção do erro. Afinal, ao lembrar-se do que passou, pode-se dar risadas e esquecer o sofrimento envolvido no momento.



A máscara do prazer


“Eu uso porque eu gosto”. Provavelmente essa é uma afirmação verdadeira. Poucas são as pessoas que se sentem vinculadas e usuárias de uma substância que detestam. O uso de drogas envolve prazer. A nível biológico isso é inegável, porém, frente às consequências ruins que ocorrem com o tempo, ou mesmo às reações indesejadas do organismo, o prazer se mantém a um preço muito alto. É necessário relembrar que os problemas devido ao uso de substâncias ocorrem de forma gradual, sendo possível pensar que se ocorressem ao mesmo tempo em que as sensações prazerosas, estas dificilmente valeriam à pena.


Alguns podem argumentar que o importante é o agora, “viver o momento”, e se sentirem bem por serem capazes de “não preocuparem-se tanto”. Talvez eles ignorem o fato de que a atitude de ignorar as consequências a longo prazo enquanto se mantém preso ao imediatismo é a postura mais comum. É o mesmo princípio que faz com que se coma muito mesmo tendo como meta entrar em determinada roupa daqui a um mês.



A máscara do imortal


“Tenho um tio que fumou a vida toda e está ótimo hoje”. Existe uma variedade de estudos apontando quão prejudiciais são algumas substâncias psicoativas e estabelecendo relação entre elas e diversas doenças. Contudo, como parece ser natural, algumas pessoas apegam-se a exceções. As pesquisas apontam índices altos de doenças relacionadas ao tabaco, por exemplo, entretanto o “imortal” se apega àquela história de um parente distante ou uma família inteira que “sempre fumou” e nunca teve nada.



A máscara da dor


Não é possível negar que muitas pessoas usam drogas para aguentar situações complicadas ou mesmo para anestesiar alguma dor. Muitas vezes percebe-se a dependência, mas ainda assim estar preso a uma substância parece mais atraente do que encarar os problemas ou a dor “de cara limpa”. Para essas pessoas é mesmo difícil e necessário que se desenvolvam habilidades para além da simples abstinência. O primeiro passo talvez seja perceber que o uso de álcool ou outras drogas não resolve o problema ou cura a dor,apenas impede que você lide com ela de uma forma mais adequada e definitiva. Geralmente trata-se de trocar a cura pelos paliativos.


Existem diversas outras maneiras e mecanismos pelos quais evitamos entrar em contato com um possível problema de dependência, contudo o propósito dessa alegoria é criar reflexão sobre nossa interação com as drogas.


Autor: Arthur Martins Lopes


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